Romeu e Julieta/Romeo and Juliet

Romeu e Julieta/Romeo and Juliet
Fotografias de Helena Gonçalves

Esta peça, nasce da ideia de "remontar" as partituras que Serguei Prokofiev criou para Ballet. Aprimeira será "Romeu e Julieta", que estabelece uma relação com o autor William Shakespeare, nos símbolos e formas, muitas vezes associadas só a uma estética e a um tipo de bailarino e forma de dançar. Esta narrativa impele-nos a "entrar" e a "espreitar" contextos recorrentemente distantes, perspetivando a história da Dança em confronto com o mundo contemporâneo, a sociedade, e todos os seus ícones e valores. No campo estético, percorrem-se novos lugares na obra, ao relacionar toda a abordagem clássica, com o corpo invertido, que não aguenta a verticalidade, como o temos trabalhado. William Shakespeare, figura “imprópria”, que hoje carrega ainda a imagem de mistério (nunca saberemos realmente quem foi ou como viveu). Tal como o artista Bansky nos dias de hoje. Fizeram-se filmes, músicas, ballets, livros a partir da sua obra. O seu legado é um hino aos lugares mágicos da incompreensão. Lugares capazes de questionar o nosso lugar como pessoas, lugares espirituais, ideais para a criação. A estreia da referida peça em 1938 ("Romeu e Julieta"), gerou controvérsia pública, por não aceitarem a reinterpretação da peça de William Shakespeare com um final feliz.

A relação pessoal do coreógrafo Miguel Moreira com os universos de Prokofiev e Shakespeare é extensa. Há dois anos, foi o actor convidado na abertura dos “Dias da Música” na obra “Ivan, o Terrível” de Prokofiev. Partitura adaptada do filme de “Eisenstein”. Enquanto criador nos últimos trinta anos, o seu confronto com textos de William Shakespeare e também nas produções do Teatro Nacional D.Maria II, procuraram perceber e explorar os estímulos corporais provocados pelas suas palavras. Porque os bailarinos também dançam com as palavras. Os bailarinos criam, com a sua acção corporal - a sua própria dança independente do coreógrafo - lugares inauditos onde cabem palavras que podem ser pedras, todo o infinito. Esse lugar primordial da arte. Destaca-se outro exemplo, na peça “Operários” de Miguel Moreira e Romeu Runa, interpretada pelos dois, em que Miguel e Romeu gritavam pelo Prokofiev e amúsica era “Dance of Knights” de Prokofiev. Estes sinais, que se estilhaçam em muitos momentos, que já vinham de trás, de outras criações e que surgem quando se realiza uma retrospetiva. Neste momento o seu desígnio enquanto criador fixou-se na dança e na sua linguagem, urgindo o encontro com estes artistas (Prokofiev/Shakespeare), capazes de olhara humanidade, tal como é, na sua imensa fragilidade e sonho. Enquanto artista, pretende expressar ao mundo, através de uma obra de arte na área da dança, este manifesto da incompreensão. Como se falasse aos cidadãos e cidadãs - “Não nos vamos prender a estes lugares conhecidos, vamos subir a nossa montanha e encontrar a razão da nossa caminhada. ”Esta possibilidade de reescrita constante de obras, que já “saíram” da mão dos seus criadores, e que a partir delas, será possível criar novos objetos marcantes para toda a humanidade, aliando a tradição e a inovação. A Dança apropria-se ao longo da história de narrativas, o espectador teria que ser "enclausurado" na compreensão racional. Percorrem-se lugares, impossíveis de esclarecer ao longo da vida, mas que se inspiram nas grandes narrativas do nosso património comum. A Dança, como um lugar de contraditório, onde a arte pode descobrir novas possibilidades imaginativas acerca do corpo e do seu movimento, permite a evolução de técnicas e lugares em palco. Evoca-se nos espectadores um sentido cinestésico e uma capacidade de pensamento crítico sobre o mundo. Procura-se a urgência de uma linguagem que desafia cânones, acerca do que é viver e pensar, centrado no pensamento do corpo de uma mulher ou de um homem. Existem artistas, capazes de desafiar os lugares comuns em cada área artística. Linguagens que extravasam para outras dimensões, e que em muitos casos conseguiram transformar-se em casos universais, capazes de mudar a humanidade, seja em que parte do mundo se encontrem. Figuras ímpares como Martha Graham, Pablo Picasso, William Shakespeare, desafiaram a perceção humana e os seus sentidos. Artistas que influenciaram todas as áreas criativas, abrindo o humano para o seu lugar de incompreensão e mistério. É no cruzamento de universos, influências e vivências pessoais e artísticas que se procura reinventar o objeto artístico proposto.

Direcção Miguel Moreira

Com Francisco Camacho, Maria Fonseca e shadoWMan

Música Prokoviev com recriação ao vivo de Ricardo Toscano e João Pereira

Concepção plástica Jorge Rosado e Ecco Mie

Pesquisa Maria Mel

This piece is born from the idea of “reassembling” the scores that Serguei Prokofiev created for ballet. The first of these will be Romeo and Juliet, establishing a dialogue with the author William Shakespeare through symbols and forms, often associated only with a certain aesthetic, type of dancer, and style of movement. This narrative urges us to “enter” and “peer into” contexts that are often distant, reflecting on the history of dance in confrontation with the contemporary world, society, and all its icons and values. Aesthetically, it explores new territories within the work by relating the classical approach to the inverted body, one that cannot sustain verticality, as we have been working.

William Shakespeare, a “misfit” figure, still carries an air of mystery today (we may never truly know who he was or how he lived). Much like the contemporary artist Banksy. Films, music, ballets, and books have been created from his works. His legacy stands as a hymn to the magical realms of incomprehension—spaces capable of questioning our place as humans, spiritual places ideal for creation. The premiere of the ballet Romeo and Juliet in 1938 caused public controversy for its reinterpretation of Shakespeare’s play with a happy ending.

The personal relationship of choreographer Miguel Moreira with the universes of Prokofiev and Shakespeare is extensive. Two years ago, he was the invited actor at the opening of “Dias da Música” in Prokofiev’s Ivan the Terrible, an adaptation of Eisenstein’s film score. As a creator over the past thirty years, his engagement with Shakespeare’s texts—also in productions at Teatro Nacional D. Maria II—has sought to understand and explore the bodily stimuli provoked by the words, because dancers also dance with words. The dancers create, through their bodily actions—their own independent dance—unprecedented spaces where words can become stones, or all of infinity. That primordial place of art.

Another example is the piece Operários by Miguel Moreira and Romeu Runa, performed by both, where Miguel and Romeu shouted for Prokofiev while the music was Prokofiev’s Dance of the Knights. These signals, fragmented in many moments, carry echoes from earlier creations and emerge when a retrospective is undertaken. At this moment, his purpose as a creator is fixed on dance and its language, seeking encounters with these artists (Prokofiev/Shakespeare), capable of observing humanity in all its fragility and dreams. As an artist, he aims to express to the world, through a work of art in dance, this manifesto of incomprehension—as if speaking to citizens: “We will not confine ourselves to known places; we will climb our mountain and find the reason for our journey.”

This continuous possibility of rewriting works that have already “left” their creators’ hands allows for the creation of new, striking objects for all humanity, combining tradition and innovation. Dance has historically appropriated narratives that the audience might otherwise have to rationally confine themselves to. It traverses places impossible to fully clarify in a lifetime, yet inspired by the great narratives of our shared heritage. Dance, as a place of contradiction, where art can discover new imaginative possibilities regarding the body and movement, allows for the evolution of techniques and spatial forms on stage. It evokes in spectators a kinesthetic sense and the capacity for critical thought about the world.

There is an urgency for a language that challenges canons, exploring what it means to live and think, centered on the body’s intelligence, male or female. Certain artists are capable of challenging commonplaces in every artistic domain. Languages that extend into other dimensions, and in many cases have become universal, capable of transforming humanity wherever it may be. Singular figures like Martha Graham, Pablo Picasso, and William Shakespeare challenged human perception and the senses, influencing all creative fields and opening humanity to its place of incomprehension and mystery. It is at the crossroads of universes, influences, and personal and artistic experiences that the reinvention of the proposed artistic object is sought.

Direction: Miguel Moreira
With: Francisco Camacho, Maria Fonseca, and shadoWMan
Music: Prokofiev, with live recreation by Ricardo Toscano and João Pereira
Visual conception: Jorge Rosado and Ecco Mie
Research: Maria Mel

Fotografia Helena Gonçalves

Apoio Espaço das Gaivotas

Produção Útero em coprodução com Centro Cultural Vila Flor, Cine-Teatro Avenida, Citemor — Festival de Montemor-o-Velho, EIRA, Festival Acaso, Theatro Circo.


Fotografias de Miguel Ribeiro Fernandes

Fotografia de Helena Gonçalves